Português para estrangeiros: Descubra o quão desafiador é para os gringos

Descubra o quão desafiador é para os gringos

Para aqueles que estudam inglês, alguns podem dizer que é mais difícil que português, no entanto, a verdade é que a nossa língua é ainda muito mais gramaticalmente complexa. Hoje, veremos como os estudantes da língua portuguesa ao redor do mundo podem ter mais dificuldade do que nós enquanto estudantes de inglês.

1 – Gênero e Número

Para um falante da língua inglesa, definir o gênero de um objeto inanimado parece loucura, assim como nem todos os idiomas do mundo têm esta distinção. Línguas como turco, chinês e finlandês não têm feminino e masculino gramaticais, ou seja, não têm diferença entre “bonito” e “bonita”.

Na perspectiva de alguns estrangeiros e entusiastas bilíngues, gênero gramatical é só uma pedra no sapato dos estudantes. Apesar de parecer ilógico, esta dualidade do português nos ajuda a fazer algumas distinções interessantes em frases como “homens e mulheres bonitas”. No exemplo, o fato de “bonitas” estar no feminino exclui “homens” da adjetivação.

O uso de dois gêneros distintos é algo comum, mas alguns idiomas apresentam um terceiro gênero: o neutro. Sendo comum em línguas eslavas (como russo e polonês), este gênero é usado com alguns objetos e pessoas indeterminadas. Outras línguas ainda têm gêneros como “membro da família” ou “animal aquático”, sendo mais comuns em línguas indígenas onde sua distinção é muito importante.

Em outros idiomas, no entanto, além de termos plural e singular, temos também o dual, que é um plural específico para duas unidades. Somando isto a três gêneros, certas línguas podem ter nove variações para cada adjetivo (ou mais no que depender de outros fatores).

Alguns adjetivos têm formas neutras, como “feliz”, o que facilitará seu uso. Alguns plurais têm regras específicas, como “fácil”, que se torna “fáceis”, ou irregulares, como “cidadão”, que não é “cidadões”, mas “cidadãos”. Outros adjetivos têm femininos irregulares, como “leão”, sendo “leoa” e não “leona”. Por mais padrões que tenhamos, ainda é mais previsível que muitas línguas, como árabe, cuja palavra para pedestre, “rájil”, pode ser 13 palavras diferentes, como “rujjálá”, “rijál”, “rujlán”, “arjilah” etc., variando, inclusive, em gênero e quantidade.

Como usamos artigos e outros termos semelhantes, tudo deve concordar, o que se torna um desafio. Em inglês, “the” e “some” são imutáveis, mas cada um tem 4 versões em português. Alguns idiomas, por outro lado, não usam artigos de modo algum, como russo, para cujos falantes “a menina” e “uma menina” são ambos “menina”. No final, dizer “my house and my friends” é mais simples que “a minha casa e os meus amigos”.

2 – Declinação Gramatical

(Tabela de declinações gramaticais em russo.)

Este é um ponto pelo qual estudantes de português consideram a língua “fácil”: é um idioma analítico. Em outras palavras, é através da análise da ordem da frase que sabemos que, em “cachorro persegue gato”, o cachorro é o perseguidor e o gato é o perseguido. Em outros idiomas, esta distinção é feita através da terminação, isto é, em latim, “o cão persegue” e “persegue o cão” são “canis sequitur” e “canem sequitur” respectivamente.

Em línguas como o russo, em que há distinção de gênero e número, uma só palavra pode ter várias e várias formas dependendo de onde estão na frase. Para outros, um único adjetivo pode declinar tanto quanto um verbo em português, pois, muitas vezes, além da declinação gramatical, têm gêneros e números que são considerados.

3 – Conjugação Verbal

(Esquema para memorização de conjugações verbais em latim.)

Sendo o ponto mais forte de qualquer língua latina, o fato de um único verbo em português poder ter 70 formas, sem contar com suas versões pronominais, como “fa-lo-íeis”, é seu diferencial. Português, das línguas latinas, tem a maior quantidade de tempos verbais, apesar de, no idioma falado, muitas reduções serem feitas a ponto de não usarmos nem 15 destas. Ao longo do tempo, o que antes era (e continua sendo na língua padrão) “ajudar-vos-íamos”, agora é “a gente ia ajudar vocês”. Frases como “faria se pudesse” estão se tornando “fazia se pudesse”, fazendo com que o idioma falado seja mais fácil ainda.

Para aqueles que desejam aprender português somente para se comunicarem, não existe uma dificuldade muito grande. Isto não se aplica àqueles que desejam ter uma grande proficiência na língua em si, o que exigirá diferenciar “fazei” de “façais”. A maioria dos nativos não usa aprender linguagem culta, o que faz com que pouquíssimos estrangeiros também o façam.

Outra dificuldade dos verbos, mesmo quando usados em poucas formas, é a irregularidade. Muitas línguas são extremamente regulares, a ponto de nem mesmo conjugarem os verbos, pois, na perspectiva de seus falantes, se eu disser “eu fazer amanhã”, já se compreende o tempo futuro. Já em línguas semíticas, como árabe e hebraico, o verbo não só estará de acordo com a pessoa, mas também com o gênero dela: “faz” é diferente dependendo do gênero do feitor.

Noutros raros idiomas, a conjugação se dá a partir do pronome ao invés do verbo, como wolof, falado no Senegal e partes do Congo. As palavras “eu” e “fazer” são, respectivamente, “man” e “def”, no entanto, ao dizer “eu farei”, tornam-se “dinaa def”, conjugando “eu” (irregularmente) ao invés de “fazer”. 

Em português, cada uma das 70 formas se divide em 12 tempos verbais, alguns destes sendo extremamente complexos. Um exemplo disto é as frases “quem faz, aprende” e “quem fizer, aprende”, sendo a segunda versão de “fazer”, “fizer”, usada, especificamente, para um futuro que pode ou não acontecer. Além de ser uma grande especificidade, é uma conjugação irregular para o verbo em questão, o que exigirá muita concentração dos estudantes.

Fora os verbos comuns, temos formas compostas complexas que usam os mesmos conceitos que os simples. Um exemplo, as frases “quem o tiver feito depois, saberá” e “quem o tivesse feito antes, saberia”, são claramente distintas aos nossos ouvidos, mas explicar exatamente o porquê de suas conjugações parece quase impossível. 

Para um estrangeiro que interpretasse as frases anteriores, ele teria de saber que “tivesse feito” é uma ação em referência a um tempo específico (antes), que não aconteceu na realidade, chamada de “pretérito imperfeito composto do subjuntivo”. Usa-se, então, “saberia”, pois é algo que tinha a possibilidade de acontecer, e, se a condição tivesse se cumprido (ter feito), “saber” seria o futuro daquela ocasião, então é chamado de “futuro do pretérito”.

Além de memorizar estes conceitos tão abstratos, deverá lembrar que “vir” pode ser “vem” (ou “vêm” no plural), distinguindo-se de “veem”, sendo forma de “ver”, que, por sua vez, é “vê” no presente. O verbo “ir” também pode ser “for” ou “foi”, tal como “ser” os é, ou também “vá”, em cujo mesmo tempo verbal, “ser” é “seja” e “vir” é “venha”. Enquanto o presente de “ser” se diz “é”, o de “ir” é “vai”, podendo ambos ser “fosse”, que tem várias formas, tais quais “fossem” e “fostes”. Isto tudo não se compara com as formas de “see”, “go”, “come” e “be” em inglês, que, somadas, totalizam menos de 15 versões que devemos memorizar, como “went”, “was”, “came”, “seen” etc.

Verbos de línguas consideradas difíceis, como alemão, são infinitamente mais simples que português, e outras com centenas de formas verbais, como turco, têm conjugações muito diretas e regulares. No nosso idioma, unimos complexidade com especificidade e irregularidade, o que faz com que um não nativo possa até ter um sotaque perfeito, mas não saber usar verbos em situações específicas.

4 – Formalidade e Dialetos

Sendo diferente de línguas como coreano e indonésio, não temos uma diferença de linguagem muito vasta no que se refere à formalidade. Quando assistimos um documentário ou lemos um livro, o português usado é praticamente o mesmo, assim como quando falamos com pessoas mais velhas ou mais novas, facilitando muito no aprendizado.

Em línguas como hindustani, o uso de um pronome arbitrário pode ser extremamente desrespeitoso no que depender do contexto, ao passo que, no Brasil, usamos “tu” ou “você” indiscriminadamente. Pronomes de tratamento especiais, como “o senhor”, podem fazer certa distinção, mas, apesar de sua utilização ser muito simples, está sendo abandonada aos poucos, assim como a complexidade dos tempos verbais.

Em línguas como coreano e japonês, existem vários graus de formalidade, fazendo com que até mesmo verbos tenham auxiliares diferentes dependendo do falante e do ouvinte. Já em persa, conjugações verbais mudam da língua falada à escrita, o que não ocorre no português, já que tão somente deixamos de usar certas conjugações.

Além de alguns pronomes e terminações, alguns idiomas são completamente fragmentados, como chinês e árabe, onde cada grupo de falantes tem um dialeto específico. Como no caso do chinês, a variação é tão grande que o termo “chinês”, atualmente, é usado para se referir a um grupo de línguas, tendo “mandarim” como sua forma padronizada. No nosso caso, dialetos se resumem a sotaques e gírias locais inteligíveis.

As variantes europeia e africana da nossa língua, no entanto, são mais complicadas, tanto em gramática quanto em pronúncia. Diferentemente do brasileiro, o português europeu conserva, na língua falada, conjugações como “tu fazes” e, por raras vezes, até a mesóclise (como “fá-lo-ás” com sentido de “o farás”). Na pronúncia, existem regras a mais, como a omissão de vogais curtas como o “i” de “difícil”, que se pronuncia “dfícil”. Além do mais, na Europa se conservam grafias antigas, como “acção” escrito com um “c” que não se pronuncia.

5 – Fonologia e Ortografia

A pronúncia do português não é simples como no espanhol e italiano, mas não complicada quanto francês. Quanto à ortografia, escrevemos as palavras de maneira muito mais consistente que inglês e italiano, o que é de grande conveniência. Há muito anos, antes da reforma ortográfica, escreveríamos “atmosfera” como “athmosphera”, mas já não precisamos mais memorizar etimologias gregas para escrever.

Em tibetano, cuja ortografia não é revisada há mais de um milênio, a palavra “brgyad” (número oito) se lê “kya”; e “gnyis” (número dois), “nyi”. Estas são chamadas “grafias históricas”, pois preservam o modo com que eram pronunciadas antigamente. O lado bom de as manter é que os falantes da língua conseguem ler textos antigos com facilidade, já o lado ruim é a dificuldade na alfabetização, tanto de nativos quanto de estrangeiros.

A língua inglesa, apesar de gramaticalmente simples, não tem sua ortografia reformada, enquanto o português, apesar de ser mais complicado, é muito mais fácil de ler e escrever. A palavra “read”, por exemplo, é lida como “rid”, mas, estando no passado, lê-se “réd”, mas nenhum acento ou vogal nos faz esta indicação. Já outros sistemas de escrita omitem vogais completamente, como persa, e outros, como o chinês e japonês, usam ideogramas que não têm relação alguma com a pronúncia.

Assim como no inglês, temos algumas distinções complicadas, como o famoso caso de “cocô” e “côco”, apesar de este último se escrever “coco”. Muitas palavras são pronunciadas de certo modo dependendo do contexto, como “colher” no exemplo “quero colher a fruta com uma colher”. Outras palavras têm jeitos diferentes de escrever, como “beringela”, que pode ser “berinjela”, mas a maioria destas é obsoleta, como “quotidiano” (cotidiano). Já a palavra “gratuito” pode ser lida como “gratúito” ou “gratuíto” sem nenhum efeito no significado.

Uma das poucas inconsistências de nossa língua é o “am” no final de verbos, lidos como “ão” curtos. Antigamente, palavras como “viram” se escreviam como “vírão”, pois a pronúncia era idêntica à “virão”, mas com sua tônica deslocada. Além deste “m”, diferenciar o uso de cê cedilha, esse e cê nos pode ser complicado, ainda mais quando, por vezes, a mesma palavra se escreve de modo diferente, como o famoso “seção” (ou “secção”), “cessão” e “sessão”. Distinção semelhante acontece em frases como “ele dá o preço da compra”, “eles têm que pôr por quem não tem” e “o que o quê?”.

Os sons mais incomuns do português são os “lh” e “nh”, junto com o til em “ã” e “õ”, e, fora estes, todos são relativamente fáceis. O próprio som de “th” do inglês (ambas as variações) só ocorre em por volta de 5 idiomas no mundo todo, como grego, espanhol (europeu) e árabe, assim como seu som de “r” característico, o que o torna mais incomum para a maioria do mundo. Fora palavras como “caminhão” e “milhões”, português tem uma fonologia fácil.

De acordo com poliglotas e estudantes estrangeiros, a língua portuguesa é considerada fácil ou intermediária, não só por ter um vocabulário muito próximo ao do inglês, mas por, na língua falada, ter regras muito simples. A parte mais complexa, os verbos, só é contemplada em textos formais ou clássicos, o que faz com que a grande maioria dos estudantes não saiba usar todos os tempos, e, mesmo assim, serem totalmente fluentes.

A dificuldade, entretanto, não é objetiva, e varia de acordo com o idioma nativo do estudante. Para um falante de árabe, por exemplo, a palavra “pegavam” é impossível, pois não têm som das letras pê, gê e nem vê em seu idioma, então falariam “becafao”. Para um falante de inglês, memorizar o gênero de objetos é uma tarefa extenuante, assim como, para um chinês, conjugações verbais são uma experiência totalmente nova. Para um falante de espanhol, no entanto, não deve fazer mais do que praticar algumas regras novas e ajustar seu vocabulário para falar português com facilidade.


Escrito por: Luis Talamini, professor da Idioma Independente no Rio Grande do Sul

Para contato: luistalamini.ii@gmail.com

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