5 tipos de escrita que você NUNCA viu!

5 tipos de escrita que você NUNCA viu

Nos tempos modernos, estamos tão habituados com nossas letras que não refletimos sobre a engenhosidade da escrita. Hoje veremos os diferentes modos de escrever ao redor do mundo e como outros povos registram informações.

(Evangelho de João, em armênio, escrito entre os séculos IX e XII d.C.)

O que É um “Alfabeto”?

Nem todos os sistemas de escrita são alfabéticos, apesar de estes serem os mais comuns. O latino (usado no português) é o mais difundido, mas não é o único, estando ao lado do cirílico (que escreve línguas eslavas, como o russo), grego e até hangul coreano.

Alfabetos são caracterizados pela representação dos sons de consoantes e vogais igualmente, isto é, quando escrevemos “casa”, podemos ver ambas destacadas na palavra. Por incrível que pareça, nem todos os idiomas têm símbolos individuais para vogais ou consoantes, sendo divididos em vários outros grupos.

O hangul coreano, muitas vezes confundido com chinês e japonês, é um alfabeto completo, apesar de não seguir o padrão que conhecemos no português: vogais seguidas de consoantes diretamente a frente. No coreano, escrevemos sílabas em blocos, e consoantes podem vir sobre as vogais, empilhadas em grupos silábicos de duas ou três letras.

Por muitos alfabetos terem uma origem comum no grego, compartilham vários símbolos, como podemos ver neste diagrama de Venn. É importante, porém, lembrarmos que, apesar de o próprio nome do grupo ser grego (“alfa” e “beta” do termo “alfabeto”), nem todos os sistemas desta categoria se originaram do grego.

Dentre alfabetos menos conhecidos, temos o mongol, armênio, georgiano e tifinague. Muitos são obsoletos, como o etrusco, médio entre grego e latim; runas, na Escandinávia; eslavônio, médio entre grego e cirílico; e avesta, usado para escrever persa (substituído pelo consonantários arábico). Apesar do desuso, muitos destes ainda são utilizados para propósitos religiosos, pois vários textos litúrgicos antigos foram escritos com eles, como a Bíblia ortodoxa russa em eslavônio.

(“Inscrição administrativa de Cartago”, entre os séculos II e IV a.C, em púnico, escrito no consonantário fenício, na região da atual Tunísia.)

O que É um “Consonantário” ou “Abjad”?

Estes são, como o nome sugere, sistemas que usam somente representar consoantes, excluindo parcial ou completamente as vogais. Neste caso, escreveríamos “kz” ao invés de “casa”, pois a informação da vogal deverá ser interpretada pelo contexto. Por exemplo, se eu “fui para a kz”, sei que as consoantes são lidas como “casa”, e não “caso”, “casei” ou “coisa”.

O termo “abjad” se refere às primeiras letras do consonantários mais difundido no mundo, o árabe, sendo estas a, bê, jota e dê. O sistema fenício é a origem do alfabeto grego, do qual, por sua vez, descende o latino. Apesar de o consonantário ser uma etapa até um alfabeto mais claro, muitos idiomas, principalmente semíticos (relacionados com o árabe), como hebraico, mantêm até hoje sua utilização. Atualmente, pouquíssimos abjads são realmente usados.

Como de costume, estes sistemas são preservados em contextos religiosos, estando em desuso no dia a dia. Dentre eles, temos samaritano, siríaco e hebraico antigo. Existem versões distintas dos já mencionados, formas arcaicas ilegíveis (mas decifradas) para falantes modernos da língua em questão, como nabateu (árabe) e aramaico (atual assírio, escrito em siríaco e outras variantes).

Os abjads ainda usados têm a possibilidade de exprimirem vogais em forma de diacríticos. A letra bê árabe, “ب”, pode ser lida como “ba”, “bi”, ou “bu”, mas há opção de o especificarmos com um diacrítico, agora sendo, respectivamente, “بَ”, “بِ” e “بُ”. Por ser opcional, os nativos costumam omitir a sinalização.

(Tabela completa dos símbolos para cada sílaba na língua cheroqui.)

O que É um “Silabário”?

Tendo o alfabeto letras específicas para consoante e vogal; e o abjad, para consoantes somente, o silabário detém um símbolo individual para cada sílaba possível no idioma (ou quase todas). Este sistema é usado somente para línguas com fonologia simples, como japonês e outros idiomas indígenas minoritários. A falta de padrão entre as sílabas caracteriza um sistema como completamente silábico.

O japonês é o mais conhecido, apesar de consistir em três grupos diferentes: katakana, hiragana, e um sistema de ideogramas. Este formato, no entanto, é completamente limitado, pois se torna exclusivo à língua que representa, uma vez que não tem flexibilidade alguma para criar outros conjuntos. Isto ocorre porque as sílabas são indissolúveis, como o exemplo de “ka” e “ra” em hiragana (“か” e “ら” respectivamente), com as quais nunca poderíamos escrever “krar” ou “rak” de modo específico.

(Texto sânscrito “Bhagavad Gita”, escrito com o abugida devanagari.)

O que É um “Alfassilabário” ou “Abugida”?

Este sistema é alfabético, pois tem vogais e consoantes, mas também é como um consonantário, pois seguimentos de vogais e consoantes são unidades silábicas. A diferença principal deste para um consonantário verdadeiro é que vogais são escritas como diacríticos ao redor da consoante. Em devanagari (abugida indiano), por exemplo, “ki” é “कि”, enquanto “ku” é “कु”, tendo ambas a raiz “क” (k).

A palavra “abugida” vem da língua etíope, que utiliza o alfassilabário “ge’ez”. Apesar do idioma, o termo representa as quatro primeiras letras do consonantários hebraico, sendo esta a origem da semelhança com o termo “abjad” (que vem do árabe). Outros sistemas nesta composição são birmanês, quemer, tibetano e tailandês. A maioria dos abugidas é indiana, como bengali, gujarate, canará, telugo, entre vários outros da região.

Alfassilabários são mais versáteis que silabários puros, mas ainda têm certas restrições quanto a encontros consonantais e vocálicos, como “kra” e “kau”. Ao invés de uma simples sequência de letras, formamos símbolos combinando raízes de modos mais elaborados.

(Texto sumério em escrita cuneiforme, mais antigo sistema conhecido, criado há aproximadamente 5.400 anos.)

O que É um “Ideograma”?

Antes de todas as vogais, consoantes e sílabas, escrever e desenhar eram a mesma coisa. Ideogramas são símbolos que não representam fonemas, mas conceitos, tal como ilustrações. Este é o mais antigo método de escrever, tendo o chinês como único representante ainda usado, cuja substituição pelo alfabeto latino foi cogitada em meados do século XX.

Fora os caracteres mandarins, hieróglifos egípcios também são ideográficos. O egípcio antigo, por sua vez, não é um ideograma puro, pois certos símbolos eram usados como consoantes para escrever nomes próprios. Isto se desenvolveria em uma mistura entre “desenhos” e consoantes (logo-consonantário), tornando-se, assim, abjad e, em seguida, alfabeto. Em função deste processo evolutivo, os ideogramas são a origem de virtualmente toda escrita usada no mundo hoje.

Um exemplo moderno é os emojis, compreendidos por falantes de todos os idiomas que estejam habituados a seu uso. Por representarem ideias, o ideograma de um coração, por um brasileiro, pode ser lido como amor, paixão ou carinho, ou, para outros, como “love”, “amour” etc. Todos entenderiam a mensagem escrita, e isto mesmo sem um falar o idioma do outro, graças ao complexo simplismo da escrita ideográfica. Fenômeno semelhante ocorria entre sumérios, acádios e babilônios: apesar de suas línguas não serem mutuamente inteligíveis, os “desenhos” eram literalmente os mesmos.

Este grupo, mesmo sendo tão básico, acaba sendo o mais difícil de se aprender, o que era um dos vários fatores do altíssimo índice de analfabetismo nos tempos antigos. Não lembrar do desenho exato de um ideograma significa ser incapaz de escrever uma palavra, mesmo sabendo sua pronúncia. Na época do declínio da escrita cuneiforme, os caracteres começavam a ser usados como consoantes.

O uso de ideogramas em forma de abjad se desenvolve a partir da adoção do som da consoante inicial da palavra que o símbolo representa, como o desenho de “casa” como “k” e de “pessoa” como “p”. Deste modo, ao invés de aprendermos um símbolo diferente para “copo”, só precisamos desenhar uma casa e uma pessoa, formando “kp”, cujas vogais serão deduzidas no contexto. O próximo passo lógico seria usar o caractere de “osso” (ou algo que comece com “o”) para representarmos vogais. Apesar de hoje parecer óbvio, o processo de distinção de fonemas levou milhares de anos até culminar no sistema alfabético, sendo o primeiro destes o grego, por volta de 2.900 anos atrás.

No final, memorizar 26 símbolos individuais é objetivamente mais simples que milhares de combinações de ideogramas, formados com mais de uma centena de radicais separados.


Escrito por: Luis Talamini, professor da Idioma Independente no Rio Grande do Sul

Para contato: luistalamini.ii@gmail.com

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